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Catarina Eufémia

  • luispintolisboa
  • 13 de fev.
  • 7 min de leitura

CATARINA EUFÉMIA (13.02.1928 - 19.05.1954)


Trabalhadora rural assassinada pela GNR durante uma luta de assalariados, no Alentejo.


Catarina Efigénia Sabino Eufémia nasceu em Baleizão (Beja) a 13 de Fevereiro de 1928 e faleceu em Monte do Olival, morta a tiro no dia 19 de Maio de 1954. Era ceifeira e na sequência de uma greve de assalariadas rurais foi assassinada pelo tenente Carrajola da Guarda Nacional Republicana.Tinha vinte e seis anos de idade e três filhos, um dos quais de oito meses, que estava ao seu colo no momento em que foi baleada.

A trágica história de Catarina acabou por personificar a resistência ao regime salazarista, sendo adoptada pelo Partido Comunista Português como ícone da luta e da repressão no Alentejo. Vicente Campinas, Sophia de Mello Breyner, Carlos Aboim Inglez, Eduardo Valente da Fonseca, Francisco Miguel Duarte, José Carlos Ary dos Santos e Maria Luísa Vilão Palma dedicaram-lhe poemas. Zeca Afonso dedicou a Catarina Eufémia uma das canções mais emblemáticas da resistência o fascismo: "Cantar Alentejano" do álbum "Cantigas do Maio".


1. No dia 19 de Maio de 1954, em plena época da ceifa do trigo, Catarina e treze outras ceifeiras foram reclamar (ao feitor da propriedade onde trabalhavam) um aumento de dois escudos por jorna. Os homens da ceifa terão sido contrários à constituição do grupo de mulheres, mas acabaram por não hostilizar a acção destas. As catorze mulheres foram suficientes para atemorizar o feitor que foi a Beja chamar o proprietário e a guarda. Catarina fora escolhida pelas suas colegas para apresentar as suas reivindicações. A uma pergunta do tenente da guarda, Catarina terá respondido que só queriam "trabalho e pão". Como resposta teve uma bofetada que a tombou. Ao levantar-se terá dito: "Já agora mate-me." O tenente da guarda disparou três balas. O menino de colo, que Catarina tinha nos braços ficou ferido na queda. Uma outra camponesa teria ficado ferida também (1).

Após a autópsia, temendo a reacção da população, as autoridades resolveram realizar o funeral às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às escondidas, o povo correu para o caixão com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram violentamente a população, espancando não só os familiares da falecida, outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob escolta da polícia, não para o cemitério de Baleizão, mas para Quintos (a terra do seu marido cantoneiro António Joaquim do Carmo, o Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em 1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.


Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois anos de prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel e iria ser julgado em tribunal. (2). Faleceu em 1964.


2. Um testemunho


Segundo António Gervásio (dirigente do PCP na clandestinidade no Alentejo, nos anos 50):


«Foi a 19 de Maio de 1954, no começo das ceifas, numa luta por melhores jornas, nas redondezas de Baleizão, onde o famigerado Carrajola, um tenente da GNR de Beja, num acto de ódio criminoso, assassinou Catarina com uma rajada de metralhadora. Por lutar por melhores jornas!

Os trabalhadores agrícolas de Baleizão estavam em greve, reivindicavam melhores jornas nas ceifas. A GNR tinha a aldeia cercada. Próximo dali, um rancho, arregimentado pelo agrário, «furou» a greve. Catarina e mais 14 companheiras romperam o esquema da GNR e foram ao encontro do grupo que ceifava. Foram interceptadas pelo tenente Carrajola que as questionou, cheio de ódio, sobre o que queriam elas. Catarina respondeu: "Quero pão para matar a fome aos meus filhos!". Em resposta, o criminoso Carrajola disparou uma rajada de metralhadora, matando Catarina..».


3. A notícia num jornal


«Anteontem, numa questão entre trabalhadores rurais, ocorrida numa propriedade agrícola próximo de Baleizão, e para a qual foi pedida a intervenção da G.N.R. de Beja, foi atingida a tiro Catarina Efigénia Sabino, de 28 anos, casada com António do Carmo, cantoneiro em Quintos. Conduzida ao hospital de Beja, chegou ali já cadáver. A morte foi provocada pela pistola-metrelhadora do sr. Tenente Carrajola, que comandava a força da G.N.R. No momento em que foi atingida, a infeliz mulher tinha ao colo um filhinho, que ficou ferido, em resultado da queda. A Catarina Efigénia tinha mais dois filhos de tenra idade e estava em vésperas de ser novamente mãe. O funeral realizou-se ontem, saindo do hospital de Beja para o cemitério de Quintos. Centenas de pessoas vieram de Baleizão para acompanharem o préstito, verificando-se impressionantes cenas de dor e de desespero. Segundo nos consta, o oficial causador da tragédia foi mandado apresentar em Évora.»


4. A autópsia de Catarina Eufémia


«De acordo com a autópsia, Catarina foi atingida por "três balas, à queima-roupa, pelas costas, actuando da esquerda para a direita, de baixo para cima e ligeiramente de trás para a frente, com o cano da arma encostada ao corpo da vítima. O agressor deveria estar atrás e à esquerda em relação à vítima". Ainda segundo o relatório da autópsia, Catarina Eufémia era "de estatura mediana (1,65 m), de cor branco-marmórea, de cabelos pretos, olhos castanhos, de sistema muscular pouco desenvolvido".


Após a autópsia, temendo a reacção da população, as autoridades resolveram realizar o funeral às escondidas, antecipando-o de uma hora em relação àquela que tinham feito constar. Quando se preparavam para iniciar a sua saída às escondidas, o povo correu para o caixão com gritos de protesto, e as forças policiais reprimiram violentamente a população, espancando não só os familiares da falecida, outros rurais de Baleizão, como gente simples de Beja que pretendia associar-se ao funeral. O caixão acabou por ser levado à pressa, sob escolta da polícia, não para o cemitério de Baleizão, mas para Quintos (a terra do seu marido cantoneiro António Joaquim do Carmo, o Carmona, como lhe chamavam) a cerca de dez quilómetros de Baleizão. Vinte anos depois, em 1974, os seus restos mortais foram finalmente trasladados para Baleizão.


Na sequência dos distúrbios do funeral, nove camponeses foram acusados de desrespeito à autoridade; a maioria destes foi condenada a dois anos de prisão com pena suspensa. O tenente Carrajola foi transferido para Aljustrel mas nunca veio a ser sequer julgado em tribunal. Faleceu em 1964.»


(...) «Afirmou-se também que Catarina Eufémia estaria grávida de alguns meses no momento em que foi assassinada. Aparentemente, essa informação teria vindo de outras ceifeiras, a quem Catarina alguns dias antes de ser assassinada teria revelado o seu estado amenorreico. Durante a autópsia, o povo de Baleizão juntou-se no largo da Sé de Beja, a poucos metros do Hospital da Misericórdia, clamando em desespero e revolta: "Não foi uma, foram duas mortes!". No entanto, o médico legista que a autopsiou, Henriques Pinheiro, afirmou repetidamente, inclusive depois da revolução de 1974, que as referências a uma gravidez eram falsas.»


Notas:


(1) Melo Garrido, que acompanhou o assunto como redactor do 'Diário do Alentejo' e correspondente de 'O Século', no seu livro "A Morte de Catarina Eufémia - A Grande Dúvida de um Grande Drama" conta assim:

«Julgavam as mulheres que o patrão estivesse lá [no monte do Olival] e pretendiam expor-lhe as suas razões, convencidas de que acabariam por ver atendido o seu pedido. Mas o patrão não estava, retido, por doença, na sua casa em Beja, onde de resto habitualmente residia. Um seu empregado de confiança, José Vedor, ao avistar de longe o cordão de 14 mulheres, assustou-se e dirigiu-se de automóvel a Beja, a informar o patrão. Este, assim mal esclarecido, comunicou o caso à Guarda Nacional Republicana. O comandante de secção desta, tenente Carrajola, partiu imediatamente para o local, acompanhado de vários soldados. Cruzou-se com o grupo de mulheres à beira de um faval. Catarina Eufémia marchava à frente do grupo e foi a ela que o tenente Carrajola interpelou, encostando-lhe ao peito uma metralhadora e perguntando-lhe desabridamente o que pretendia. A camponesa respondeu-lhe: "Trabalho e pão!". O oficial da G.N.R. atingiu-a de acto imediato com uma violenta bofetada. Catarina, que levava ao colo o filho mais novo, caiu, arrastando na queda a criança, que sofreu alguns ferimentos. O tenente desviou a metralhadora e logo soaram três tiros que atingiram Catarina Eufémia pelas costas. (...) O proprietário do 'monte', dr. Fernando Nunes Ribeiro, chegava entretanto ao local. Levantou Catarina Eufémia do chão mas ela morreu-lhe nos braços. Recomendou ao tenente que tivesse calma. Este retorquiu-lhe porém que, uma vez chamada a G.N.R., era só ele, tenente, quem mandava ali. E, em gritos encolerizados, continuava a dirigir insultos às aterrorizadas companheiras da infeliz Catarina, denominando-as especialmente de «burras».


(2) Segundo Pedro Prostes da Fonseca, no livro « O Assassino de Catarina Eufémia», Matéria-Prima Edições, com prefácio do advogado Ricardo Sá Fernandes:

«A justiça foi rápida a actuar no caso do tenente Carrajola. Passados pouco mais de seis meses sobre a morte de Catarina Eufémia, o oficial da Guarda Nacional Republicana foi ouvido no 2.º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, então instalado no Campo de Santa Clara. A sessão de julgamento, presidida pelo coronel João Arruda Pereira, teve início às 14 horas [1 Junho 1954] e ao final da tarde já estava publicada a sentença: absolvido. Isto porque o colectivo de juízes prescindiu das testemunhas e limitou-se a identificar o réu e a ler as poucas peças processuais e alguns depoimentos resultantes dos interrogatórios feitos no terreno pelo capitão João Camilo Delgado. «Não será de estranhar que, num processo tão breve e sumário quanto este, o coletivo de juízes tenha absolvido o réu que, no entender dos magistrados, agiu “com a maior cautela, segurando a referida arma nas mãos, sempre com o fim de impedir que essa mulher continuasse a avançar naquela atitude provocante e ameaçadora, bateu levemente com o cano da pistola nas costas dessa mulher, sempre segurando a arma com as duas mãos e com grande cuidado e atenção, tendo porém sido disparados três tiros que atingiram a infeliz nas costas”, produzindo as lesões que a levaram à morte. Mais concluíram os juízes que o “disparo prematuro e a consequente rajada” não se ficou a dever à conduta do tenente Carrajola, mas a “uma circunstância meramente acidental”. O que, “em tais condições, não se verificando assim que o réu haja praticado os factos puníveis que lhe eram imputados, o Tribunal, por voto unânime, julga a acusação improcedente e absolve o réu a quem manda em paz”. ». Pedro Prostes da Fonseca, após esbulhar em pormenor o acórdão, assume que se tratou de “criar uma nova narrativa sobre os factos, alimentando farsa sobre farsa” e que o militar se livrou da prisão “graças a falsidades tiradas da cartola por um juiz subordinado ao regime”.

O regime de Salazar nunca fez publicidade a este julgamento e muito menos à sentença, “uma vez que, se calhar, teve medo que os populares se revoltassem contra esta inacreditável absolvição”, sustenta Pedro Prostes Pereira. Depois do 25 de Abril o processo “foi dado como desaparecido” e julgava-se mesmo que pudesse ter sido destruído durante a transição de regimes.


Biografia da autoria de Helena Pato

 
 

"Mudar o mundo, não é loucura, não é utopia, é justiça". 🩵

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